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Numa recente entrevista à TVI (da qual apenas passaram os 3 ou 4 minutos menos relevantes), defendi o aparentemente indefensável - a permanência da instituição real espanhola. Insistia a minha simpática interlocutora que após os embaraços paquidérmicos, as notícias de infidelidade conjugal, e os problemas da Família Real com a justiça, o povo espanhol estaria a clamar pelo fim da monarquia. Como evidência da crise apontava as fracas sondagens em sua defesa, os distúrbios populares e as demonstrações nacionalistas e anti-monárquicas na Catalunha, reiterando a posição de muitos dos nossos "democrátas", desejosos de uma Espanha laica e republicana. São sintomas parecidos com aqueles sofridos actualmente pela grande maioria dos países ocidentais. Mas parecia teimosia minha.
Em 1975 Espanha era um país pobre, com a memória ainda viva de uma horrenda guerra civil e de um prolongado período de autoritarismo. Em 35 anos transformou-se numa democracia plena, moderna e numa referência mundial a nível económico, cultural, e mesmo desportivo. Se é indiscutível que a actuação do Rei foi indispensável para a sua metamorfose política de uma forma natural e pacífica, também não teria sido possível o sucesso espanhol em todos os campos sem uma estratégia verdadeiramente nacional e aglutinadora, assegurada pela autoridade, independência e estabilidade oferecidas pela Coroa.
As sondagens de 2013 mostravam o Rei com um apoio historicamente baixo, é verdade. (Ainda assim, no seu annus horribilis, mantinha uma popularidade superior ao dos seus congeneres republicanos). Mas mostravam também que 75% dos espanhóis apoiam o actual regime, com quase 80% a considerarem o Príncipe Felipe apto para assegurar a sucessão. O país afirma-se monárquico e não apenas "juancarlista". A crescente visibilidade republicana, à qual os nossos meios de comunicação social têm dado tanto importância, deve-se essencialmente à afirmação nacionalista dos povos catalão e basco. Estes entendem, e com razão, que uma República Espanhola facilitaria em muito a conquista da sua respectiva independência. Ou seja, não é um movimento contra o regime monárquico em si, mas contra a capacidade unificadora da Coroa!
O povo espanhol é livre, a qualquer momento, de pedir e votar a alteração do seu regime, liberdade democrática comum a todas as monarquias europeias e que nos é vedada pela nossa constituição. A Infanta Cristina, apesar de ser filha do Chefe de Estado, está a enfrentar a justiça nas mesmas condições de qualquer outro cidadão. A Coroa Espanhola recebe menos de €8 milhões por ano do erário público, metade da dotação dos €16 milhões da Presidência da República em Portugal. O regime, tal como nas outras monarquias ocidentais, longe de ser o mítico monstro antidemocrático, corrupto e desmedido, tem fomentado a democracia, a igualdade e a parcimónia.
As notícias recentes sobre a saúde e a actuação de Juan Carlos I vão dando razão à larga maioria dos espanhóis, e não podem ter sido mais oportunas para resfriar o ânimo dos republicanos mais enraivecidos da nossa praça!
Quando o economista e Prémio Nobel Simon Kuznets apresentou o seu novo conceito estatístico - o PIB - ao Congresso dos EUA há precisamente 80 anos, advertiu que embora fosse um bom indicador da actividade económica de um país, dificilmente se poderia inferir da mesma métrica o seu nível de desenvolvimento ou o nível de bem-estar da sua população.
80 anos mais tarde, apesar desta sábia advertência por parte do seu progenitor, comprovada por variadíssimos exemplos onde o crescimento do produto interno bruto esconde impactos nocivos no verdadeiro progresso de um país e do seu povo, o crescimento do PIB continua a ser a métrica dominante na determinação de política económica. Compreende-se, por isso, a procura crescente de indicadores alternativos que se centram na pessoa humana, tratando o crescimento económico como um meio e não um fim. As Nações Unidas têm dado um importante contributo nesse sentido através do seu programa de desenvolvimento, a UNDP.
O produto mais emblemático da UNDP é o Relatório de Desenvolvimento Humano, publicado anualmente, e o resultante Índice de Desenvolvimento Humano, onde o PIB é apenas um entre vários indicadores relacionados quer com níveis de educação e escolaridade, quer com a saúde e que nos dá uma melhor visibilidade do verdeiro bem-estar num qualquer país. Embora a maior utilidade deste índice seja a nível das situações mais complicadas nos países em desenvolvimento, também serve para ver as diferênças existentes nos países ocidentais, onde se encontra o nosso Portugal.
A monarquia é, na sua génese, um regime profundamente humanista, onde a primeira preocupação do Rei foi sempre o bem-estar das gentes. Essa prioridade, exemplificada continua e constantemente na história do nosso País, tornou o Rei no principal aliado do povo contra as estruturas que foram ameaçando os seus direitos fundamentais. As monarquias modernas, apesar da posição não-executiva do monarca, conseguiram conservar essa ligação onde o povo vê na independência e autoridade da Instituição Real o seu último reduto, acima da luta política e do cíclo eleitoral e, na Família Real, a "sua" família, que se vai renovando naturalmente e acompanhado os destinos do País. É esta ligação que reforça a autoridade e legitimidade da Coroa e a sua capacidade de influenciar e intermediar junto dos actores políticos e do sector privado, em benefício do povo.
Não é surpreendente, por isso, o facto de 75% das monarquias ocidentais se encontrarem no pelotão da frente deste índice, liderado pela Noruega e pela Austrália, ambos monarquias parlamentares.
Numa entrevista ao Diário de Notícias ontem, S.A.R. o Duque de Bragança realçava, e bem, a ubiquidade da corrupção e as suas consequências nocivas à nossa sociedade. Se é incontestável que a grande maioria dos nossos governantes, independentemente da suas capacidades pessoais, é honesta e bem-intencionada, concorde-se ou não com a sua política, é igualmente indiscutível que há uma minoria que abusa da sua posição descarada e impunemente, quer em mérito próprio quer por objectivos menos claros. A forma como o faz sugere uma extensa rede de interesses obscuros, e transmite uma exemplo de facilitismo e impunidade, un cancro rapidamente espalhado por quem não entende estar a ser profundamente desrespeitado. Refere também o Senhor Dom Duarte estudos internacionais que poriam Portugal ao nível da Dinamarca não fosse este problema endémico à nossa realidade republicana. Acrescenta ainda que no caso dos países europeus com chefias de estado independentes (as monarquias modernas), os níveis de corrupção são menores.
A Transparency International é uma organização internacional, presente em mais de 100 países, financiada de forma aberta e gerida por um conjunto de profissionais reconhecidamente independentes. Em Portugal é representada pela associação cívica "Transparência e Integridade". O seu único objectivo é o combate à corrupção e publica anualmente um Índice de Percepção de Corrupção que mede níveis de corrupção nos sectores públicos de 177 países e territórios. Recentemente publicou o índice para 2013. A Dinamarca aparece em primeiro lugar. Portugal no 33º.
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