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Quando a Presidente da Causa Real, Teresa Côrte-Real, me endereçou o simpático convite de reflectir publicamente sobre os 200 anos da Revolução Liberal de 1820, não tive como recusar tão amável e importante gesto. A minha recusa não se prendeu com a presunção de achar que teria algo a acrescentar ao debate - até porque estou muito longe de ser um especialista no tema - mas antes por acreditar que os monárquicos têm o dever de servir a sua Causa sempre que a tal são chamados. Este dever é reforçado numa altura em que a instituição Real é posta em causa no nosso país vizinho, facto que motiva ainda mais ódio por parte de todos aqueles que convictamente nos dizem mortos, mas que parecem não dormir perante a simples suspeita de podermos estar apenas adormecidos. Como diria Miguel Esteves Cardoso, o mais desempoeirando monárquico das últimas décadas, “os monárquicos são o maior partido clandestino existente em Portugal”. E os republicanos sabem disso, acrescentaria eu.
Há duas grandes lições que devemos guardar de 1820. A primeira é que toda e qualquer ajuda externa traz consigo uma implícita machadada na nossa independência. Assim foi em 1807 quando requisitámos a ajuda do império britânico para combater as tropas napoleónicas, assim foi em 2011 quando os estilhaços da crise norte-americana do subprime atingiram a nossa economia frágil e endividada, e assim será agora que uma inesperada pandemia pôs a nu uma débil recuperação económica demasiadamente alavancada no turismo. Em todos estes momentos, curiosamente, faltou-nos sempre um símbolo de união, serenidade e garante da Liberdade. Em suma, faltou-nos um rei.
Em 1807, as invasões motivaram a fuga do Rei e da sua corte para o Brasil. Em 2011, o Presidente da República faltou-nos enquanto garante da coesão social. Agora, o presidente - a que alguns até ousam chamar “presidente rei” - limita a sua atuação a uma política de show-off e gestão da sua imagem pública com vista à reeleição que se aproxima. A diferença basilar em todos estes momentos - saltando as óbvias diferenças históricas - é que no início do século XIX o povo conseguiu forçar o regresso do seu Rei, fazer eleições, conquistar o nosso primeiro texto constitucional e ainda fazer com que o Rei fosse obrigado a jurá-lo solenemente. Ou seja, o povo português provou naquela época algo que ainda hoje faz com que grande parte dos países desenvolvidos continuem a ser monárquicos: o monarca responde única e exclusivamente perante o seu povo, sendo eleito pela história e tendo a obrigação moral de dedicar toda a sua vida a servir a sua pátria. Será que em república as coisas funcionam da mesma forma? Obviamente que não e se a república quisesse demonstrar o contrário apenas teria que alterar o artigo 288º da CRP.
A segunda grande lição - pelo menos para nós monárquicos - é percebermos e sabermos defender o legado constitucional, democrático e liberal do regime que ousamos defender. Foi sob a égide da forma de governo monárquico que Portugal se abriu ao mundo e à democracia, foi ao lado da Coroa que nasceu o nosso parlamentarismo e foi graças à monarquia que tivemos a nossa primeira experiência constitucional. Curiosamente, a experiência republicana foi bastante diferente: um duplo regicídio, uma revolução que alterou a chefia de estado sem recurso a plebiscito, a desordem da primeira república, a ditadura militar, o Estado Novo e uma terceira república que nos tem empurrado sistematicamente para a cauda de desenvolvimento da Europa.
Aprendamos agora a inspirar-nos na nossa História e tenhamos a ousadia de aproveitar a oportunidade histórica que as novas tecnologias, a comunicação e a rápida e clarividente alteração do mapa político nacional e internacional nos oferecem. Também nós podermos lançar para o debate as claras e óbvias vantagens de uma forma de governo em que o chefe de estado é um verdadeiro árbitro e moderador do jogo político, em vez de mais um mero jogador do mesmo. Porque embora os tempos sejam diferentes, também estes serão tempos de grandes revoluções.
João Gomes de Almeida
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