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Num artigo intitulado “Implantação da República: de súbditos a cidadãos” (1), publicado esta segunda-feira (dia 5/10/2020), no site oficial do PS, o Dr. Ferro Rodrigues - Presidente da Assembleia da República e, portanto, 2.ª figura de Estado da República Portuguesa –, imbuído de um republicanismo primário e à boa maneira jacobina, escreve muitas inverdades.

 

Se é de admirar que um deputado português – principalmente um que ocupa o lugar cimeiro do Parlamento nacional – desconheça a História de Portugal e o constitucionalismo português, mais surpreendente é que ele se atreva a escrever sobre o que não sabe e, muito pior, que ignore o que está publicado no site oficial do órgão de soberania a que preside!!!.

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Alegoria à Constituição de 1822 de Domingos Sequeira
 
 

No referido artigo o Dr. Ferro Rodrigues,

- escreve que a partir do dia 5 de Outubro de 1910, “…cada português deixou de ser um mero súbdito e se assumiu como cidadão do seu País, tomando nas suas mãos o destino da coisa pública…” e que A instituição de um regime republicano é, antes de mais, o ato de emancipação de um povo. A República não se compreende sem liberdade, sem democracia e sem respeito pelos direitos humanos”,

- e conclui da seguinte forma: “Se Portugal é, hoje, um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, deve-o às sementes lançadas na Revolução de 1910”.

 

Nada mais incorrecto e falso!!!!

 

Antes de mais, convém esclarecer que Portugal teve, até hoje, 6 (seis) constituições: a Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826 e a Constituição de 1838 - que são todas anteriores a 1910 - e a Constituição de 1911, a Constituição de 1933 e a Constituição de 1976.

 

Na página oficial da Assembleia da República (2) regista-se que “Na Constituição de 1822 ficaram consagrados os princípios ligados aos ideais liberais da época: princípios democrático, representativo, da separação de poderes e da igualdade jurídica e respeito pelos direitos pessoais”.

Igualmente nessa página oficial da Assembleia da República se pode ler que a CONSTITUIÇÃO DE 1822 estabelece que a soberania reside na Nação e não pode ser exercitada “senão pelos seus representantes legalmente eleitos” ou seja, pelos deputados das Cortes, a quem cabe exclusivamente fazer a Constituição, sem dependência de sanção do Rei”.

A CONSTITUIÇÃO DE 1822 determinava ainda, no art.º 27.º, que a Nação “é livre e independente e não pode ser património de ninguém” e no art.º 21.º que “Todos os Portugueses são cidadãos, e gozam desta qualidade”.

 

Também se assinala, na página oficial da Assembleia da República que, na CONSTITUIÇÃO DE 1822, “Os três poderes políticos - legislativo, executivo e judicial - são rigorosamente independentes e o poder legislativo é atribuído às Cortes em exclusivo, embora sujeito à “sanção Real”, instituto semelhante ao da promulgação das leis”, que está previsto na actual Constituição de 1976.

E o art.º 30.º da CONSTITUIÇÃO DE 1822, estatui que “Cada um destes poderes é de tal maneira independente, que um não poderá arrogar a si as atribuições do outro”.

 

Na CONSTITUIÇÃO DE 1822 consagrava-se, por exemplo,

- a liberdade, que, segundo o art.º 2º, consiste em os cidadãos “não serem obrigados a fazer o que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que ela não proíbe”;

- o princípio da universalidade pois, nos termos do art.º 104.º, “A lei obriga os cidadãos sem dependência da sua aceitação”;

- o princípio da igualdade, determinando, no art.º 9º, que “A lei é igual para todos. Não se devem, portanto, tolerar privilégios de foro nas causas cíveis ou crimes nem comissões especiais”;

- a liberdade de expressão, estabelecendo, no art.º 7.º que “A livre comunicação dos pensamentos é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo o Português pode conseguintemente, sem dependência de censura prévia, manifestar as suas opiniões em qualquer matéria, contanto que haja de responder pelo abuso desta liberdade nos casos, e pela forma que a lei determinar”;

- a inviolabilidade do domicílio e da correspondência prevendo, no art.º 5.º que “A casa de todo o Português é para ele um asilo. Nenhum oficial público poderá entrar nela sem ordem escrita de competente Autoridade, salvo nos casos, e pelo modo que a lei ordenar” e, no art.º 18.º, que “o segredo das Cartas é inviolável. A Administração do Correio fica rigorosamente responsável por qualquer infracção deste artigo”;

- a liberdade de acesso à função pública, estatuindo, o art.º 12.º, queTodos os Portugueses podem ser admitidos aos cargos públicos, sem outra distinção que não seja a dos seus talentos e das suas virtudes”;

- o direito de petição, preceituando, no art.º 16.º, que “Todo o Português poderá apresentar por escrito às Cortes, ou ao poder executivo reclamações, queixas ou petições, que deverão ser examinadas”.

 

E na CONSTITUIÇÃO DE 1822 o Rei não podia “Impedir as eleições dos Deputados, opor-se à reunião das Cortes; prorrogá-las, dissolvê-las ou protestar contra as suas decisões” (art.º 124.º). Na actual Constituição o Presidente da República pode dissolver a Assembleia da República (art.º 133.º).

 

Esqueceu-se o Dr. Ferro Rodrigues que o mais antigo e primeiro texto constitucional português é uma das constituições tecnicamente mais bem elaboradas e um esteio fundamental para a história da democracia em Portugal.

A concluir, cito Maria Antonieta Cruz, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que num artigo publicado, “Eleições da Regeneração à República” (3), refere que a percentagem da população eleitoral em Portugal era de 18.1%. em tempos da monarquia e em 1915 era 7.6%.

Diz assim Maria Antonieta Cruz (3):

«Os eleitores portugueses foram, a partir de então [da república], obrigados a comprovar a sua aptidão para a leitura e a escrita, e esta exigência acarretou uma considerável diminuição quantitativa do eleitorado.

Preocupados em concederem direito de voto exclusivamente aos portugueses que eles consideravam esclarecidos e independentes, os republicanos reduziram a participação política a níveis incompatíveis com o ideário da revolução e cavaram profundas arritmias entre o país urbano (...) e o mundo rural...».

Extraordinárias sementes lançadas na Revolução de 1910!!!!

 

José Aníbal Marinho Gomes
Comissão Executiva da Causa Real
Presidente da Direcção da Real Associação de Viana do Castelo

 

1) https://ps.pt/index.php/2020/10/05/implantacao-da-republica-de-subditos-a-cidadaos-mensagem-de-ferro-rodrigues/

2) https://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/monarquia.aspx, consultado a 6 de Outubro de 2020.

3) CRUZ, Maria Antonieta, org. - "Eleições e sistemas eleitorais: perspectivas históricas e políticas". Porto: Universidade do Porto, 2009. P. 92-93.

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